Laudos internos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apontam uma série de deficiências, incertezas e pontos críticos relacionados à qualidade, segurança e eficácia da vacina russa Sputnik V, que está no centro de uma batalha judicial envolvendo ao menos 13 governadores. Com base nas análises feitas até agora, a agência reguladora alega ser impossível liberar o uso do imunizante no país.
Na terça-feira (13), o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Anvisa se manifeste em 30 dias sobre o pedido de importação da vacina pelo governo do Maranhão. O prazo é contado a partir de 29 de março, quando o governador Flávio Dino (PCdoB) ingressou com a ação. Junto com a decisão, Lewandowski derrubou o sigilo dos autos do processo, onde constam os relatórios técnicos da autoridade sanitária.
A Gerência-Geral de Medicamentos e Produtos Biológicos, responsável pela análise de vacinas, destacou a ausência de um estudo de biodistribuição, citado como fundamental para verificação dos efeitos do imunizante sobre tecidos e órgãos. Também ficaram faltando dados sobre a toxidade reprodutiva e de desenvolvimento da Sputnik V.
A vacina contém partículas virais replicantes, ou seja, capazes de se reproduzirem e migrarem para órgãos específicos do corpo. Também são capazes de se combinarem com outros vírus presentes no organismo. Segundo a Anvisa, a quantidade de partículas permitida pelo fabricante “está acima daquela preconizada para ‘medicamentos que salvam vidas’ sem que estudos de suporte a essa quantidade tenham sido apresentados”.
Sobre a eficácia, o documento da Anvisa critica a falta de justificativas científicas para o uso de animais com imunidade baixa nos testes. “O impacto da utilização de animais imunossuprimidos nas conclusões não foi esclarecido e, assim, a avaliação necessária em testes de desafio que é muito importante para fornecer evidências sobre potencial desenvolvimento de doença agravada pela vacina não pode ser considerada adequada”.
Pontos críticos
Ao todo, foram apontados pelo menos 15 pontos críticos relativos à qualidade, segurança e eficácia, além da ausência de documentos como o certificado de registro pela autoridade sanitária russa e o licenciamento de importação emitido pelos Sistemas de Comércio Exterior do governo (Siscomex), entre outros.
A agência também anexou aos autos um levantamento sobre as boas práticas de fabricação de medicamentos do Instituto Gamaleya, responsável técnico pela vacina. Os dados foram colhidos nos bancos de dados da própria Anvisa e também das autoridades sanitárias dos Estados Unidos (FDA) e da Europa (EMA) e mostraram resultados pouco satisfatórios.
Entre as fábricas analisadas, somente uma possui certificação de boas práticas emitidas pela Anvisa. Ainda assim, a documentação apresentada não permite saber se a linha de produção que recebeu a certificação é a mesma que será usada para fabricar a Sputnik V.
Comitiva irá à Rússia
Para tentar sanar as dúvidas, uma comitiva da Anvisa irá à Rússia inspecionar as fábricas. A viagem, que deveria começar na quinta (15), foi adiada para a próxima segunda-feira (19), a pedido dos russos. Ontem, outro problema surgiu após a França anunciar a suspensão dos voos vindos do Brasil. Isso porque as passagens adquiridas previam escala na França. Novos bilhetes devem ser emitidos.
Apesar dos problemas, a vacina russa é considerada essencial para ajudar a acelerar o processo de imunização no país, que ainda não chegou a 4% da população se consideradas as duas doses. O consórcio de governadores do Norte e Nordeste já oficializou uma proposta de compra de 37 milhões de doses, que se somariam a outras 10 milhões acertadas pelo Ministério da Saúde.
Atualmente, a vacina está em uso em 60 países, mas a maioria esmagadora deles tem pouca tradição regulatória. Na Argentina, a Sputnik V é praticamente a única disponível no momento, com participação superior a 96% sobre o total contratado.
Fonte: Valor Econômico
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