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Polícia Judiciária no Judiciário

                                        Irapuan Diniz de Aguiar

                                                Advogado.

     Desde sua origem a Polícia, no Brasil, evoluiu para uma organização de forma dúplice com um ramo preventivo e judiciário chefiado por um magistrado e um ramo corporativo-miliciano com atribuições ostensivo-preventivo-repressivas sob a mesma chefia. Pelo Alvará de 10/05/1808 o Príncipe-Regente D. João (futuro rei D. João VI) criou a Intendência Geral de Polícia da Corte, cuja essência estava em delimitar as áreas da Justiça e da Polícia instituindo uma verdadeira magistratura para a chefia da Polícia, tanto que nomeou para o cargo de Primeiro Intendente Geral o Desembargador Paulo Fernandes Viana. A criação da Guarda Real, embrião das Polícias Militares, veio logo após. O sistema de Segurança Pública brasileiro, portanto, sempre manteve o arcabouço legado ao país pelas administrações coloniais, imperiais e republicanas, vale dizer, o Poder do Estado – o de polícia – sendo delegado a um magistrado que, para seu auxílio executivo, tinha a si subordinada a Força Pública. Dessa maneira, em geral, a Polícia Civil detém o Poder de Polícia (aqui considerado em sentido estrito) – a Autoridade – enquanto a Força Pública (civil ou militar) cabia a força propriamente dita. 

      Faço este preâmbulo para embasar a tese que intitula esta abordagem que, desde algum tempo, venho defendendo. O Brasil transformou-se nos últimos anos num verdadeiro laboratório de experiências na construção de um novo modelo de segurança pública. Aqui e ali, algumas iniciativas governamentais apresentam resultados, se bem que muito aquém do que seria minimamente desejável pela população. Os equívocos de diagnóstico e avaliação do setor respondem pelo fracasso das reformulações procedidas, com algumas ilhas de eficiência, ainda assim, resultantes do idealismo e resistência de alguns poucos profissionais que não se deixam cair na desesperança. Dos inúmeros congressos já realizados para debater a questão da violência e criminalidade, com a participação de juristas, policiais, parlamentares, juízes, promotores de justiça e outros estudiosos do assunto, a reformulação da estrutura da segurança pública sempre consta da pauta das discussões. As conclusões, no entanto, são sempre no sentido de propor a unificação das polícias, a integração de suas atividades ou suas subordinações ao Ministério Público que passaria a dirigir a investigação criminal. Uma simples leitura dessas indicações, contudo, é suficiente para constatar suas inadequações à atual realidade das polícias, porquanto não alcançam a raiz dos verdadeiros problemas. Ora, é inviável unificar-se uma organização militar com outra civil e vice-versa. Entre as funções civis e militares há diferenças profundas e radicais de essência, substância e natureza. Impossível seria, por conseguinte, agrupar, fundir ou condensar num estatuto único regimes jurídicos que a diversidade de objeto impõe. Quanto à integração, é consenso de que deve ser estimulada a partir dos bancos escolares, quando do curso formação dos policiais – civis e militares – numa mesma Academia como hoje já ocorre no Ceará. Os frutos, porém, dos vínculos de amizade construídos nessa fase, só serão colhidos numa outra geração de profissionais. Não se promove integração por decreto nem é dado desconhecer dos óbices insuperáveis no atual cenário, onde a disputa do espaço de poder por policiais das duas corporações é visível. Daí, os pífios resultados até agora obtidos. Quanto à direção da investigação criminal pelo Ministério Público é ela desaconselhável, seja porque seus membros não foram preparados para tal missão, seja para preservar sua atuação como domini litis, seja, enfim, pelo acúmulo de atribuições de que já é detentor, alargadas com os novos encargos que lhe conferiu a CF/88. 

      Frente a tais fatos advogo, hoje, a tese do reencontro da Polícia Civil com suas origens, assumindo, por inteiro, a face jurídica de sua atuação. O exercício da atribuição de polícia judiciária, antes concedida apenas aos delegados de polícia, por delegação do Código de Processo Penal, passou a ser, com a vigência da CF/88, de toda a organização policial civil. Nessa perspectiva, deveria se promover uma reforma constitucional desvinculando a Polícia Judiciária do Poder Executivo passando a compor a estrutura do Poder Judiciário. Com a medida, delegados, escrivães, legistas, peritos criminais e demais profissionais da instituição desenvolveriam suas atividades como membros de outro Poder, distantes das pressões político-partidárias. O Executivo, por seu turno, passaria a dispor de uma só polícia – ostensivo-preventiva-, no caso a Polícia Militar, responsável pela manutenção da ordem e segurança pública. Com a implementação da providência, desapareciam os conflitos entre as duas polícias, evitar-se-ia a repetição, no âmbito da Justiça, dos atos praticados no inquérito policial, contribuindo para uma maior celeridade processual, dentre outras vantagens. Nunca é demais lembrar que o exercício da polícia judiciária é uma função de Estado e não de governo. 

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