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A FEIRA DA LADRA

V. Exa. é um vagabundo!”, diz exasperado o nobre senador, olhos esbugalhados a apontar o dedo – segundo dizem dedo muito sujo – para seu colega, que já de pé retruca no mesmo tom de gentileza: “Vagabundo e ladrão é V. Exa!”.

A troca de amabilidades, que quase ia às vias de fato, ao vivo, à vista de todo o Brasil, graças aos modernos meios de comunicação midiática, se deu no Senado da República, no Plenário em que se reúne a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, entre o relator da dita cuja, o alagoano Renan Calheiros, do MDB, campeão em responder inquéritos no Poder Judiciário, acusado de corrupção e outras traquinagens com recursos públicos; e o senador Jorginho Melo, do PL de Santa Catarina.

O episódio ocorrido na quinta-feira (23) não é caso isolado de destempero no Plenário daquela Comissão que tem como presidente o senador amazonense Omar Aziz, também este acusado de desvios de dinheiros públicos exatamente da área da Saúde, e que já viu serem presos esposa e irmãos acusados de condenáveis malinações com recursos públicos. Aliás, o comportamento inusual da cúpula dirigente da Comissão, cujo intento é tudo menos investigar desvios de recursos destinados ao combate à Covid-19, tem feito com a sátira do vulgo a denomine de CPI da Canalhice, CPI da Cloroquina, CPI da Bandalheira, CPI da Marmota entre outros epítetos impublicáveis.

O bate-boca de botequim ocorrido na tal CPI me fez lembrar uns versos panfletários, de acerba crítica, que o então deputado e jornalista Pedro Pereira fez publicar no jornal “Pedro II”, que circulou em Fortaleza a partir de setembro de 1840, constituindo-se órgão de destemida oposição ao governo do Senador José Martiniano de Alencar, pai do grande romancista homônimo. Para se ter uma ideia da verrina que era o “Pedro II”, certo dia, ao ler o jornal, que saía duas vezes por semana, Alencar dissera para uns amigos que “por menos disso quebravam-se tipografias no Rio e em alto dia”. Os cupinchas entenderam o recado, empastelaram as oficinas do “Pedro II” e atiraram os tipos ao mar.

Como dito, o “Pedro II” acolhia a verrinosa pena de Pedro Pereira, que escreveu uma série de crônicas sob o rótulo “Ladra da Feira.” Não poupava ninguém. E o soneto que dirigiu aos legisladores da época, calha como uma luva nas excelências que dirigem a CPI da Cloroquina. Por pertinente, transcrevo-o: “I – Negro bando de abutres famulentos/ Infames, infernais, torpes harpias,/ Sanguessugas não fartas de sangrias,/ Canalhaço glutão sempre bulhento.”/// “II – Grupo de regatões aurisedento,/ Facção de Gracos vis dos nossos dias,/ Lote de bestas rábidas, bravias,/ De fogosos orates parlamento.”/// “III – Esta de chuchadores alcateia/ Melhor conseguiria numa estrada/ Os seus sinistros fins, lambaz ideia;”/// “IV – Que à tal reunião certo não quadra/ O respeitoso nome de Assembléia,/ Mas, esse que lhe dão: – Feira da Ladra.” Lembre-se que a Feira da Ladra existe em Lisboa, Portugal, desde o século XIII e dedica-se ao comércio popular de velharias, bugigangas e outros produtos de origem nem sempre legal.

Barros Alves é jornalista, poeta e assessor parlamentar

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