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O fim das criptomoedas na China

A China expandiu sua repressão às criptomoedas declarando que todas as atividades relacionadas às moedas digitais são agora ilegais. O Banco Popular da China e outras agências governamentais também atacaram as trocas de criptomoedas no exterior especificamente na última sexta-feira, declarando que seria ilegal fornecer serviços online para residentes na China. Por causa disso o preço do bitcoin caiu mais de 8%, e outras criptomoedas caíram até 20% imediatamente após o anúncio.

O Banco Central da China fez seu anúncio de proibição dessas negociações em conjunto com outros departamentos do governo de Pequim, incluindo a Administração do Cyberespaço e o Supremo Tribunal Popular, o Tribunal Superior da China. O aviso informava veementemente que “existem riscos jurídicos para indivíduos e organizações que participam utilizando moeda virtual em atividades comerciais”. 

A autoridade monetária chinesa acrescentou: “Recentemente, a especulação com criptomoedas aumentou, perturbando a ordem econômica e financeira, aumentando atividades ilegais e criminosas em jogos de azar, arrecadação ilegal de fundos, fraudes, esquemas de pirâmide e lavagem de dinheiro. Todas essas ocorrências colocam seriamente em risco a segurança dos chineses.” 

Claro que nada impede que investidores chineses possam operar criptoativos fora da China por meio de empresas offshore, entretanto isso deve tornar-se mais complexo para controlar à medida que o governo de Pequim intensifica o controle social no cyberespaço.   

É importante ressaltar que o contexto em que isso acontece se dá dentro de um conjunto de intervenções na economia e na sociedade chinesa, que desde o início do ano já alcançou o setor educacional, o setor de jogos de azar em Macau e deve continuar ao longo de 2022. Todas essas intervenções governamentais por um lado demonstram que Pequim pode estar em busca de um maior controle e uma maior intervenção com viés comunista de características chinesas, como decretou Deng Xiaoping na década de 1970. Por outro lado, existe a busca do governo para adereçar o aumento desproporcional da desigualdade social na China, que vem crescendo e que o governo vê que as forças de mercado e os governos das democracias liberais não conseguiram resolver. Talvez esse “crackdown” seja a maneira chinesa de impedir o aprofundamento da desigualdade, contudo, como a formulação das políticas econômicas da China é algo bastante obscuro, não é possível hoje apresentar todos os objetivos-fim dessas políticas.

Outrossim, no caso específico dos criptoativos, estamos falando de uma ameaça ao poder do Estado Chinês. Sob  o ponto de vista geopolítico e geoeconômico, a moeda de cada país é uma expressão de poder do Estado e de suas capacidades de gestão da política monetária. Neste contexto, a rápida expansão dos criptoativos na China, bem como sua utilização como meio de troca, tornou-se uma ameaça ao controle estatal, o que é algo inadmissível para o governo de Pequim; logo, a regulação não se torna uma opção e sim sua eliminação do sistema monetário nacional.

Compartilho com a opinião das autoridades chinesas quanto aos riscos causados por esses criptoativos, principalmente agora que os mesmos começam a ser operados por corretoras e bancos nacionais por meio de fundos de investimento. Se outrora esses ativos estavam restritos a investidores e corretoras específicas de criptoativos, hoje a integração desses ativos especulativos na sociedade brasileira se torna cada vez mais constante.

Neste contexto, portanto, acredito que o Banco Central do Brasil deve agir, mesmo que não banindo os criptoativos, mas tentando regulamentar mais de perto a circulação desses ativos. Hoje seu risco para que ocorra corrupção e criminalidade é muito superior ao risco causado pelo uso do dinheiro em espécie, pois é possível transportar milhões de reais em criptoativos dentro de um pendrive, sem a necessidade de saque nos bancos e livre dos controles do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Contudo, vale ressaltar que alguns bancos do Reino Unido já não operam mais com empresas de criptoativos, e a Nigéria, uma das maiores economias da África, também baniu os criptoativos do Sistema Financeiro Nacional. Apesar do crescimento e da valorização desses ativos ao longo dos anos, sua falta de regulamentação de dentro de um cenário cada vez maior de hipercompetitividade entre as nações, e onde o cyberespaço se tornou um novo campo de batalha para as Nações, creio que o mercado de criptoativos não deva continuar totalmente desregulado ou ‘livre das amarras’ dos Estados por muito tempo. 

Em uma analogia simples, porém atual, podemos dizer que no mundo monetário em que as moedas nacionais representam o poder constituído dos Estados, os criptoativos representam a anarquia, e, mesmo que esses ativos não deixem de existir, acredito que serão pressionados a mudar suas características por pressão dos próprios Estados, ou deverão ficar à margem do mercado financeiro tradicional. Agora, se me perguntarem se acredito que é uma bolha a que estamos assistindo, dado à magnitude da valorização desse mercado, acredito que sim, pois não vejo bases sólidas nem fundamentos macroeconômicos suficientemente firmes para assentar que uma valorização do bitcoin que saiu de 32 dólares em 2011 para 40 mil dólares em 2021 seja algo sustentável no longo prazo. 

Há dois anos havia um consenso de que essa especulação toda não exporia os sistemas monetários nacionais a um risco sistêmico em caso de crise ou explosão de bolhas especulativas, entretanto hoje as autoridades monetárias não têm tanta certeza disso e buscam meios de prevenir problemas e resguardar suas economias nacionais.

Igor Lucena

Economista

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